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Caos Planejado

Como os espaços públicos repelem ou atraem as pessoas


Para criar espaços públicos de qualidade, é preciso entender como eles se tornam convidativos (ou não) para as pessoas.


Você sabe quando um espaço público está adequado? Quando ele é um atrator de pessoas, independentemente da idade, gênero, capacidade física e condição socioeconômica delas.


Há espaços públicos que não têm como função a permanência humana, a exemplo das áreas de proteção permanente, e há outros que, embora lotados de pessoas, necessitam de ajustes. Mas você deve concordar que causa estranheza encontrar espaços públicos esvaziados. Um espaço esvaziado parece ter algum problema. Esse é um entendimento comum em razão de que ele não está cumprindo seu papel fundamental: ser abrigo da vida humana.


Ao pensarmos em espaços públicos nas cidades, logo imaginamos ruas, calçadas, orlas, praças, praias, parques, feiras e afins. São espaços importantes e com diversas funções: circulação, lazer, contemplação, compras, prática esportiva, atividades culturais e cívicas, manifestações populares. Mas, principalmente, são espaços que têm a função de possibilitar encontros entre as pessoas, onde a cidadania pode ser exercida de maneira plena.


Infelizmente, no Brasil, salvo poucas exceções, não se tem um olhar positivo para os espaços públicos e tudo que remete a eles. Há sempre uma desconfiança de que eles não funcionam bem, não têm controle, faltam-lhes fiscalização e que necessitam de manutenção. “Transporte público. Escola pública. Saúde pública. A simples lembrança de um banheiro público é repugnante”. Enfim, no senso comum, o que é público não nos serve e não nos pertence.


Esse sentimento repulsivo e entendimento distanciador relacionados aos espaços públicos podem ser compreendidos minimamente por meio da análise de dois aspectos. Primeiro, considerando a formação histórica brasileira, Roberto DaMatta explica a dicotomia entre o que ele denomina “o mundo da casa” e “o mundo da rua”.


Para o autor, o mundo da casa não se resume meramente a um local para dormir ou fornecer abrigo das intempéries naturais. Ele possui uma dimensão da vida social permeada de valores e de realidades múltiplas, organizada e previsível. Não se trata somente de um lugar físico, mas de um lugar moral.


O mundo da rua, distintamente, é o local do movimento, onde se tem um fluxo constante de pessoas indiferenciadas e desconhecidas. É um lugar de luta, de batalha, de risco. Da incerteza e da indiferença. Um espaço, portanto, de forte conotação negativa.


No Brasil, o mundo da casa e mundo da rua são utilizados como metáforas para interpretar a sociedade. Mais que espaços físicos demarcados e universalmente reconhecidos, são chaves analíticas que apresentam uma perspectiva pela qual o mundo pode ser lido e interpretado.


Uma segunda forma de interpretar os espaços públicos é verificar se há características intrínsecas a eles que os fazem ser atrativos ou repulsivos. Jan Gehl, no seu clássico Cidade para Pessoas, traz diversos exemplos e argumentos que demonstram que a relação entre o tipo dos espaços públicos e sua utilização por pessoas é direta e objetiva.


Nos espaços nas cidades, pessoas são atraídas pelas atividades disponíveis e pela presença de outras pessoas. As crianças, por exemplo, correm para brincar quando enxergam outras brincando. Daí a importância das “escalas adequadas”, ensina Gehl, pois espaços abertos muito grandes em áreas com baixa densidade têm menor poder atrativo para atividades e pessoas.


Do mesmo modo, Gehl ressalta que as “rotas caminháveis” nos espaços públicos devem ser diretas, diminuindo distâncias e favorecendo encontros, atraindo atividades distintas, em especial aquelas que demandam maior número de pessoas, por exemplo, o comércio; a psicologia nos ensina que “quem não é visto não é lembrado” e “quanto mais você vê, mais você gosta”.


Sabemos que quantidade não é sinônimo de qualidade, entretanto, a combinação entre a quantidade de pessoas nos espaços públicos e o tempo de permanência neles faz uma grande diferença na sua atratividade. Então, como fazer as pessoas se sentirem mais dispostas a ficarem mais tempo nas áreas públicas?


Renomados estudiosos da cidade e do uso do espaço público chegam ao consenso de que a resposta dessa questão aponta para a combinação de características, tais como: densidade urbana, existência de fachadas ativas das edificações, uso do solo misto, trânsito mais lento, espaços de transição suaves entre o público e o privado, mais portas e janelas, menos muros e vidros espelhados. Todos são fatores atrativos para as pessoas, afinal somos seres sociais com necessidades de interação. Muros altos ou vidros espelhados nos isolam do contato visual com o interior, ao contrário das fachadas ativas cheias de portas e janelas, onde há a possibilidade de interação entre o pedestre e o usuário da edificação. O uso do solo misto favorece os encontros, dos mais inesperados àqueles com hora marcada, e ruas com trânsito mais tranquilo também nos fazem nos sentir mais seguros, incentivando que mais pessoas caminhem nelas.


Além disso, pedestres e ciclistas são apontados como essenciais para que haja atratividade nos espaços públicos, observando que quando a prioridade é dos carros, ocorre a diminuição do uso desses espaços. Logo, o modelo modernista de cidades, no qual o automóvel é o primeiro na hierarquia de investimentos, deve ser substituído para que outras formas de locomoção possam coexistir com segurança.


Aspectos relacionados à manutenção continuada dos espaços públicos são igualmente considerados. Não é possível imaginar que pessoas se sentirão atraídas a levarem suas crianças a um parquinho quebrado ou a passearem em um parque soturno onde a vegetação não recebe poda.


Entendemos, então, que os espaços públicos devem ser vibrantes, priorizar pedestres e ciclistas, possuir qualidade (de projeto, de acabamento, de manutenção e ambiental), ter incentivo ao uso do solo misto, garantindo segurança e acessibilidade e, por fim, devem ser acolhedores e atrativos para as pessoas, para que possuam a tão desejada “vida nas cidades” que Jacobs tanto nos fala com veemência, desde os anos 1960.


Por: Samantha Nahon Bittencourt

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