Com a oferta de serviços sofisticados como a teleinterconsulta, grandes redes aumentam fluxo e fidelização de clientes
Depois de assegurar a livre realização de análises clínicas, testes e aplicação de vacinas de vários tipos em consultórios especialmente montados em suas lojas, as farmácias e drogarias brasileiras se preparam para oferecer serviços mais sofisticados de telemedicina. A teleconsulta dentro dos consultórios das farmácias, que combina a relação triangular entre paciente, médico e farmacêutico, já está sendo experimentada em algumas farmácias do país à espera da aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e regulamentação por entidades médicas.
“Estamos testando a teleinterconsulta em pelo menos 11 farmácias”, conta Marcílio Pousada, presidente da RD Saúde (Raia Drogasil), uma das maiores redes de farmácias do país, com faturamento de R$ 36,3 bilhões em 2023. “A ideia é que um eventual paciente, que tenha algum sintoma, vá a uma farmácia, onde faça alguns exames clínicos rápidos, como pressão arterial, glicemia, por exemplo. Lá mesmo, pela internet, consulta seu médico, ou um médico credenciado do consultório farmacêutico, e recebe seu diagnóstico, toma sua medicação, resolvendo seu problema de forma mais fácil e rápida, diminuindo o tempo que levaria num posto de saúde”, explica.
A evolução do escopo de serviços prestados pelas farmácias e drogarias, com regulamentações que garantam uma padronização nacional para essa operação e facilitem a implementação de soluções como a telessaúde, é passo importante no movimento de expansão do modelo de assistência farmacêutica avançada no país, diz Sérgio Mena Barreto, CEO da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma). Segundo ele, as 29 redes de farmácias integrantes da entidade, que respondem por 45% das vendas das 92 mil farmácias que atuam no país (R$ 91,3 bilhões em 2023), estão preparadas para dar continuidade a esse movimento. Atualmente, essas empresas administram 6,5 mil salas clínicas focadas nesses atendimentos, assinala. “No ano passado, as farmácias brasileiras aproximaram-se da marca de dez milhões de serviços clínicos realizados”, diz Barreto.
Varejo em expansão
92mil farmácias e drogarias no país
164mil empregados (dados até setembro/2023)
32mil farmacêuticos
R$ 91,3 bilhões de receita em 2023
23 grandes redes de farmácias com participação de 10,2% do mercado, mas respondendo por 45% do faturamento total
6,5mil salas clínicas de pronto atendimento no país
10milhões de serviços clínicos realizados dentro das farmácias em 2023
Mais de 229mil vacinas aplicadas e 102 mil testes de influenza realizados em 2023
13mil teste de dengue em 2023
A covid-19, por ironia, acabou servindo de impulso para consolidar esse cenário, avalia a Abrafarma. “Os farmacêuticos foram elevados ao patamar de profissionais clínicos e gestores do cuidado durante a pandemia”, observa Barreto. “As testagens para diagnósticos do coronavírus revelaram-se fundamentais para direcionar o poder público nas estratégias de contenção da doença e ampliar o acesso da população a um diagnóstico mais rápido e seguro”, afirma. O executivo cita exemplos: em 2023, foram aplicadas mais de 229 mil vacinas nas farmácias. Os testes de influenza chegaram a 102 mil e os de dengue, a 13 mil.
Esse fluxo mostra que pelo menos 85% do atendimento dos prontos-socorros e postos de emergência do país podem ser realizados pelas farmácias, diz Pousada, da RD Saúde. A rede opera 3,7 mil lojas, com 65 mil funcionários no país, 12 mil dos quais são profissionais farmacêuticos. “Em 2019, montamos um plano para preparara empresa para o futuro, com base em dois pilares — a digitalização da relação do cliente e a criação da nova farmácia, uma plataforma de saúde, com capacidade para oferecer serviços e cuidados de saúde à população”, relata.
“Criamos espaços, treinamos o time, nos dedicamos ao cuidado da atenção primária de saúde, de pouca complexidade”, afirma Pousada. Hoje, das 3,7 mil farmácias, 2.142 têm salas de serviços de saúde e várias delas contam com mesas, cadeiras, computador, ar-condicionado e farmacêutico treinado. O investimento, em alguns casos, chega a R$ 15 mil por consultório, informa o executivo. “Muitas salas aplicam vacinas e realizam testes rápidos e serviços de rastreio de vários tipos de doença, como dengue e influenza, fazem aferição de pressão, aplicação de injetáveis e curativos diversos”, diz. “Estamos voltando a um modelo que era correto, no passado, quando o farmacêutico tinha funções claras para a comunidade, era um profissional respeitado.”
A estratégia é buscar realmente trazer o varejo para uma relação mais direta com o cliente, aponta Socorro Simões, diretora do hub de saúde da rede de farmácias Pague Menos/Extrafarma, grupo que teve faturamento de R$ 9,832 bilhões em 2023. A empresa foi pioneira nesse modelo de negócio, quando lançou em 2016 o clinic farma, rede de consultórios farmacêuticos instalados dentro de suas lojas para realização, inicialmente, de alguns serviços mais simples, como verificação de pesagem, pressão, aplicação de insulina. Com a norma RDC 786, aprovada pela Anvisa em maio do ano passado, a rede passou a realizar osprocedimentos previstos e permitidos pela nova legislação, como análises clínicas(EACs), os chamados testes rápidos, que envolvem consultas, procedimentos, check-ups, vacinas e telefarmácia. Ao todo, a rede oferece hoje mais de 60 serviços de saúde, como testes de dengue, malária, covid e influenza, chikungunya, PSA, hepatiteC, zika e teste de gravidez, além de vitamina D, hemoglobina glicada, HIV + sífilis, bioimpedância, entre muitos mais, graças a soluções modernas oferecidas por healthtechs.
“Com a possibilidade de atendimento médico por teleinterconsulta, exames rápidos, medicamentos e acolhimento disponíveis nas farmácias, a iniciativa tem ajudado a desafogar o sistema básico de saúde, com impacto direto na qualidade de vida da população”, destaca Simões. Atualmente, o clinic farma está presente em 1,1 millojas, de um total de 1,6 mil lojas do grupo no país, principalmente em pequenas cidades. “No ano passado, mais de cinco milhões de clientes foram atendidos dentro do consultório farmacêutico. E apenas no primeiro trimestre deste ano, as nossas farmácias já realizaram 1,3 milhão de atendimentos, sendo 177 mil exames de análises clínicas, 48 mil aplicações de vacinas e 1,1 milhão de outros serviços”, conta a executiva.
Para Jonas Laurindvicius, CEO do grupo DPSP, das drogarias São Paulo e Pacheco, a farmácia sempre exerceu papel importante na cadeia de saúde, e hoje é a porta de entrada de muitos pacientes que buscam atendimento, orientações, medicação e serviços de saúde. “Nossas lojas não são apenas estabelecimentos comerciais, e sim espaços de confiança, comprometidos com a saúde e bem-estar”, afirma. Com mais de 1,3 mil lojas e seis centros de distribuição em nove Estados e no Distrito Federal e um faturamento que somou R$ 14 bilhões em 2023, o grupo tem investido nos últimos anos para se adaptar à demanda e expandir sua oferta de serviços de saúde dentro do novo modelo de negócios que avança no Brasil, salienta Laurindvicius.
Com a nova legislação aprovada no ano passado pela Anvisa, o grupo DPSP realizou diversos estudos para adaptar a estrutura das lojas e expandir os pontos de serviços de exames e vacinação para todas as localidades onde está presente. “Hoje, 100% das lojas inauguradas em 2024 são planejadas com salas de serviço e vacinas, e seguiremos expandindo nosso portfólio de exames e testes oferecidos em nossas unidades”, informa Laurindvicius. [Observação: Após a conclusão desta reportagem, Marcos Colares assumiu como CEO da companhia.]
Segundo a companhia, o atual ritmo de crescimento é resultado de uma estratégia robusta de expansão, que engloba a abertura de novas lojas, ampliação do mix de produtos e aprimoramento do atendimento ao cliente, com foco em multicanais de atendimento e em inovação. São mais de 270 salas de vacinação e mais de 1,1 mil salas com atendimento farmacêutico, que dispõem de um portfólio de exames laboratoriais e serviços, como aferição de pressão, medição de glicemia, aplicação de Libre, mais de 25 tipos de vacina, entre outros. Além disso, a rede oferece diversos testes rápidos como Beta HCG e medição do TSH, para rastreio de hipotireoidismo.
Por questões estratégicas, segundo ressaltam os empresários, as redes farmacêuticas não fornecem dados sobre a contribuição dos negócios realizados nesse novo cenário de atendimento às receitas obtidas com a venda de medicamentos e outros produtos. “A empresa não olha para o faturamento, mas para a fidelidade dos clientes, com o engajamento que conquistamos com a maior frequência das pessoas”, diz Simões. “Posso afirmar que nosso foco agora não é a geração de receita”, acrescenta Laurindvicius. “Priorizamos fortemente ações que tratam da integralidade do cliente e atuamos de forma efetiva para prover experiências cada vez mais fluidas. Nosso foco é transformar nossas lojas em verdadeiros hubs de saúde, em que o cliente seja bem recebido, acolhido, receba o atendimento adequado e saia satisfeito”, afirma.
Para Pousada, da RD Saúde, é claro que o melhor atendimento tem um custo, mas o que mais importa é o vínculo criado com o cliente. “O cliente fiel compra 22 vezes por ano, por exemplo, depois vai a cada 15 dias numa farmácia. Depois que começa a perceber que vem sendo bem atendido, aumenta a frequência. Aumenta a fidelidade do cliente, e isso impulsiona o faturamento”, afirma.
Por: Genilson Cezar
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