Marcus Telles fala ao InfoMoney sobre retorno das megastores, comenta ruína das concorrentes e defende que livro físico não vai perder espaço para o digital tão cedo
Foi no berço de uma família com 15 filhos, em Minas Gerais, que Marcus Teles e seus irmãos receberam as bases para, anos mais tarde, erguer uma rede de livrarias que cresceu no vácuo deixado por Cultura e Saraiva – e que já se consolidou como a maior do país. Criado no meio de livros (sua mãe era uma contadora de histórias e seu pai, poeta), o CEO da Livraria Leitura diz ao InfoMoney que acredita num retorno das megastores, especialmente em São Paulo, onde várias unidades fecharam em anos recentes.
Teles atribui a ruína das concorrentes, em maior medida, a erros de gestão e estratégia, como “tentar vender a preços de Amazon”, e não a uma possível crise do mercado livreiro. Na conversa, o executivo defende também que o livro digital não é uma ameaça para as vendas em lojas físicas e acredita que o livro físico não é caro no Brasil se comparado aos preços cobrados na Europa e Estados Unidos – isso sem levar em consideração, claro, o poder aquisitivo da população brasileira.
À frente de um império livreiro com 116 lojas físicas em 23 estados mais Distrito Federal, o CEO da Leitura explica que o modelo de gestão descentralizado (a rede possui mais de 50 sócios com autonomia para operar em suas regiões) é uma das receitas para o sucesso financeiro da rede. A família Teles ainda controla o grupo – pelo menos cinco irmãos trabalham na empresa. Mas os “gerentes regionais” têm carta branca para decidir com quais editoras querem trabalhar e como tocam as unidades em suas cidades. “As lojas têm uma certa independência. Nosso trabalho é mais de apoio”, conta o executivo. Por esse motivo, em cada canto do país, a Leitura tem uma cara diferente.
Foi assim, longe do eixo Rio-São Paulo, que a livraria deu os primeiros passos, enquanto outros grupos cresceram além do que podiam e acabaram mergulhando em crises financeiras. Teles admite que a Leitura também cometeu erros desde sua fundação, em 1967, quando seu irmão Emídio e o primo Lúcio abriram um sebo chamado “Livraria Lê” (com as iniciais da dupla), na Galeria Ouvidor, em Belo Horizonte, dando início ao grupo. A diferença em relação a livrarias que entraram em crise, relata Teles, é que a Leitura soube recuar quando o negócio não ia bem. E continua fazendo isso. “Todo ano fechamos no mínimo uma livraria. A gente não carrega os erros para frente”.
Leia a seguir os principais trechos da conversa com o InfoMoney:
InfoMoney: Como vão os planos de expansão da Leitura e quantas unidades vocês pretendem abrir em 2024?
Marcus Teles: Começamos o ano com 110 lojas e hoje estamos com 116. Para o segundo semestre, prevemos no mínimo mais quatro. Estamos abrindo uma loja na divisa com Belém (PA), em Uberlândia (MG), no aeroporto internacional de Guarulhos (SP) e outra na capital paulista. Devemos fechar o ano com 120 ou 121 lojas. E fechamos uma unidade com baixa performance em um shopping de Salvador, na Bahia.
InfoMoney: Vocês começaram a crescer em regiões longe do eixo Rio-São Paulo. Como pretendem se posicionar nesta região, onde concorrentes foram mais fortes no passado?
MT: Começamos em Minas Gerais, aí viramos os maiores em Brasília e em várias cidades do Norte, Nordeste e Centro-oeste. Mas nos últimos anos, depois dos problemas da recuperação judicial e falência da Saraiva e Livraria Cultura, a gente acabou crescendo mais em São Paulo, na capital paulista, e também no Rio de Janeiro. Hoje, no estado paulista, já são 25 lojas. Com as novas unidades, vai passar a ser o estado com mais livrarias. A Leitura já é a maior rede em lojas no estado, e no Rio também, estamos com 15 lojas. No último ano, chegamos a estados como Santa Catarina e Mato Grosso e atingimos 24 unidades da Federação. Só não estamos ainda no Paraná, Roraima e Acre.
InfoMoney: Grande parte das lojas da Leitura é mais compacta, menores do que eram Saraiva e Cultura. O modelo de megastores pode voltar?
MT: Pode. A Cultura tinha lojas de dois a quatro mil metros quadrados, esse modelo está mais difícil. Mas ainda tem muitas megalojas acima de mil metros pelo Brasil. Desde a pandemia, só a Leitura abriu mais de oito em cidades como Belo Horizonte, Salvador, Recife e Fortaleza. É um sentimento mais em São Paulo, que chegou a ter umas 15 megalojas e hoje tem talvez só uma. Houve uma queda e agora pode voltar. Nossas lojas têm em média 500 metros, mas tem mais de 30 acima de 1 mil. A Cultura tinha mais de 10 lojas acima de 2 mil metros, a do Conjunto Nacional chegava até 4 mil.
InfoMoney: No ano passado, você mencionou planos de abrir uma megaloja em São Paulo. O ponto vago da Cultura, no Conjunto Nacional, é uma possibilidade?
MT: Não é tão simples porque a loja tem 4 mil metros e o imóvel teria que ser dividido entre dois ou três lojistas de ramos diferentes. Não é simples para o dono do imóvel que ficou muitos anos sem receber. É um ponto muito icônico e histórico dentro de São Paulo. Mas não temos dúvida de que se outras capitais menores têm megalojas, São Paulo não vai ficar só com uma, como a da Martins Fontes, na Avenida Paulista. Uma megaloja para São Paulo temos no plano, mas para esse ano não deve dar mais tempo. Talvez para o próximo, mas nada certo.
InfoMoney: Vocês têm uma presença física muito forte e só perdem da Amazon em vendas de livros no online. Qual a estratégia para vender no e-commerce e concorrer com o livro digital?
MT: Em 2012, diziam que o livro digital passaria o livro físico até 2018 e foi uma falácia. No último Censo, em 2021, ele representava só 6% do mercado. A média do mundo deve estar em 10%. Ninguém acredita hoje, em nenhum país, que o livro digital vai passar o físico. Fora que a venda em livrarias físicas e virtuais é muito mal medida. A única que mede é a Nielsen, mede pouco mais de 200 das cerca de 2.900 livrarias no Brasil, é uma pequena amostragem. O virtual mede as maiores e tem uma concentração muito grande da Amazon. Ela e outras livrarias usaram o livro com estratégia de crescimento, vendem até abaixo do custo. A grande maioria pega o preço de um livro, aumenta R$ 8 e dá um frete grátis que custa mais de R$ 12. Não precisa fazer muita conta para entender que a venda é com prejuízo. Isso enfraqueceu várias empresas pelo mundo, a própria Cultura e Saraiva. Parte do erro deles foi tentar competir vendendo a preço de Amazon. A gente quer o máximo de concorrência nas livrarias físicas e virtuais. A Nielsen não mede nenhuma livraria física especializada em livros religiosos, por exemplo. O Brasil tem mais de 700 livrarias desse tipo. Ainda somos mais fortes na loja física. Mas nossa venda na internet cresceu acima de 50% nos últimos dois anos, então a Leitura tem ocupado espaço na venda virtual.
InfoMoney: As livrarias físicas têm virado espaços de entretenimento e convivência. Isso se tornou necessário para vender livros?
MT: Mais da metade das nossas lojas são de grande porte, elas têm uma variedade de livros muito grande. Temos lojas maiores com cafeteria, quase todas têm uma área infantil, área geek para comprar jogos diferenciados, quadrinhos e mangás. Tem muito lançamento e interação com autores. No último ano, tivemos mais de 3 mil eventos dentro de lojas. A gente ouvia falar que antigamente a televisão ia acabar com o cinema, mas o cinema resistiu. É como o livro impresso. Acreditamos que nos próximos 20 anos ainda será majoritariamente assim. As vendas de livros chegaram a cair por volta de 2015, durante a crise econômica do Brasil. De lá para cá, tivemos perdas como a Saraiva, depois veio a pandemia que manteve as lojas fechadas. Mas a venda de livros no Brasil não tem caído, tem se mantido estável, tirando esses momentos. O que houve foi uma troca. A Livraria da Vila, em São Paulo, cresceu muito. A Livraria da Travessa, do Rio, cresceu também.
InfoMoney: Sobre a crise da Saraiva e Cultura, ficou alguma lição para o segmento?
MT: A Leitura sempre foi diferente, contra a maré. Enquanto outros estavam crescendo muito, captando dinheiro e fazendo dívidas, crescemos 98% com capital próprio. Quase nunca fizemos financiamento, exceto para um ou outro projeto. Não arriscamos muito. Inclusive crescemos mais na crise de 2015 e 2016 e mesmo após a pandemia. Agora, com juros altos, teve muita oferta para nós. Nas crises, apesar das dificuldades, aparecem oportunidades. Resolvemos não fazer o que outros fizeram: vender livro com prejuízo e até abaixo do custo, porque o importante é a empresa se manter saudável. Teve um crescimento sustentável. Não adianta crescer com dívidas e depois dar um problema lá na frente. No ramo do livro, não dá para só viver apostando.
Na Leitura, todo ano a gente fecha no mínimo uma livraria. A gente não carrega os erros para frente. Erramos bastante, mas consertamos rápido. Tem que ter pé no chão. E crescemos porque teve espaço. Provavelmente nos próximos anos, vamos diminuir o ritmo de abertura de lojas.
Depende mais de cada ponto que a gente acredita onde cabe uma livraria. Tem áreas metropolitanas com até 500 mil habitantes que não têm boa livraria. Vai depender de achar um local com carência. Na Saraiva e Cultura, a maior parte do problema era de gestão, vendendo eletrônicos sem ser competitivo, sem deixar margem para o caixa, dívidas muito altas com juros altos. Não é fácil aguentar.
InfoMoney: Também concorre com as livrarias a falta de tempo para leitura e atenção para o digital. Com o preço do livro reajustado acima da inflação, como tornar o produto mais acessível?
MT: Dois anos atrás, o papel subiu 60%, depois recuou um pouco. Mas o livro subiu de 8% a 10% no período. Em 10 anos, o livro no Brasil caiu muito de preço. Se você escolher 20 títulos de cabeça e fizer uma pesquisa no Brasil, na Europa, nos Estados Unidos e América Latina transformado em dólar ou em reais, o Brasil é um dos países mais baratos. É o mais barato da América Latina e também muito abaixo da Europa e um pouco abaixo dos EUA, onde um pocket custa em média de US$ 9, cerca de R$ 50. Já os livros escolares têm uma dinâmica diferente, o governo compra para as escolas públicas a preço muito baixo, por R$ 20, e parte das escolas particulares acaba subindo o preço. Mas em 15 anos, o livro baixou muito no Brasil. Claro que é proporcional à renda. Estamos mais baratos do que a América do Sul, que tem uma renda parecida. Mas perdemos da Europa e dos Estados Unidos com certeza, pelo salário com o produto. O ponto é que a importância do livro não vai ser substituída tão cedo e daqui a 100 anos ainda vamos ter livrarias.
InfoMoney: Há espaço para o mercado de audiolivros crescer no Brasil?
MT: Esse mercado ainda está fraco aqui, mas nos Estados Unidos, na Suécia, cresceu bastante. Quando o audiolivro é só lido, não é tão bom. Mas quando é narrado como os antigos rádios narravam as novelas e tem mais de uma voz, é muito legal. O audiolivro, dependendo de como é feito, pode ser muito interessante e trazer pessoas que nem liam. Serve hoje inclusive para inclusão social.
Por: Taís Laporta