A Corrida do Varejo Farmacêutico: o Brasil vive agora o que os EUA passaram nos anos 90
- Carlos Robson Gomes via LinkedIn
- 30 de jul.
- 4 min de leitura
A Corrida do Varejo Farmacêutico: o Brasil vive agora o que os EUA passaram nos anos 90
Neste artigo, proponho um paralelo entre a evolução do mercado farmacêutico norte-americano e o cenário atual brasileiro. Existem consonâncias evidentes: os Estados Unidos já atingiram um estágio de consolidação que o Brasil começa a trilhar e podemos extrair aprendizados valiosos dessa trajetória.
Nas últimas décadas, o mercado americano passou por uma verdadeira transformação: consolidação acelerada das grandes redes, crescimento exponencial dos genéricos, integração vertical com PBMs (Pharmacy Benefit Managers), e resistência das farmácias independentes por meio de modelos associativistas apoiados por distribuidoras regionais. Esse movimento, em muitos aspectos, espelha o que começa a acontecer por aqui — e traz lições importantes.
1. A consolidação das redes: de independentes a gigantes
Embora Walgreens tenha aberto capital em 1927 e a CVS em 1963, até a década de 1970 o mercado americano era fragmentado: cerca de 75% das farmácias eram independentes. Entre 1980 e 2000, assistimos à consolidação das grandes redes. Hoje, as três maiores somam mais de 20 mil lojas e detêm aproximadamente 75% do mercado. O que motivou essa transformação?
· Aquisições em massa;
· Ampliação do tamanho das lojas (de 300 m² para mais de 1.500 m²), com novas categorias e aumento do faturamento;
· Maior poder de negociação com a indústria — volume é tudo;
· Integração com planos de saúde e PBMs;
· Expansão de serviços clínicos.
No Brasil, estamos agora vivendo um estágio semelhante ao dos EUA nos anos 1990: uma corrida pela consolidação em curso.
2. PBMs, planos de saúde e a polarização de acesso
Nos EUA, os PBMs como Caremark (CVS), Express Scripts (Cigna) e OptumRx (UnitedHealth) redesenharam o acesso a medicamentos:
· Determinam os medicamentos cobertos pelos formulários;
· Controlam rebates e descontos bilionários;
· Integram farmácia, plano de saúde e fabricante verticalmente.
Impacto: farmácias independentes foram excluídas ou mal remuneradas por não pertencerem a grandes redes ou não terem escala.
A aquisição da Caremark pela CVS foi estratégica nesse contexto. A grande diferença é que, nos EUA, mais de 90% da população possui algum tipo de plano de saúde. No Brasil, são apenas cerca de 25%. Isso torna os PBMs e os medicamentos de marca mais relevantes por lá.
No entanto, o surgimento de PBMs no Brasil já começou e contar com uma operadora própria pode ser um diferencial competitivo para as redes.
3. A virada dos genéricos: acesso, margem e escala
A Lei Hatch-Waxman (1984) nos EUA foi o divisor de águas para os medicamentos genéricos:
· Democratizou o acesso a medicamentos mais baratos;
· Ampliou a margem das redes com escala;
· Reduziu a dependência de marcas;
· Pressionou redes menores sem poder de compra.
A participação dos genéricos saltou de 19% em 1984 para 91% das prescrições em 2023. No Brasil, a Lei dos Genéricos chegou apenas em 1999. Hoje, esses medicamentos representam cerca de 39% das unidades vendidas.
4. O renascimento das farmácias independentes: redes associativistas
Frente à pressão dos PBMs e da consolidação, milhares de farmácias independentes nos EUA se uniram em redes associativistas conectadas a grandes distribuidoras regionais:
· Health Mart – McKesson;
· Good Neighbor Pharmacy – AmerisourceBergen;
· IPC Cooperative – rede cooperada;
· PBA Health – de propriedade dos próprios farmacêuticos.
Essas redes oferecem:
· Marcas próprias (OTC e genéricos);
· Ferramentas de marketing, CRM e POS;
· Defesa institucional frente a PBMs;
· Negociação coletiva com a indústria.
No Brasil, modelos semelhantes florescem, como a Farmarcas, que organiza farmácias independentes com escala, tecnologia e inteligência de mercado.
5. O que o Brasil pode aprender com os EUA?
É importante lembrar: o Brasil não é os Estados Unidos. Embora existam paralelos, a complexidade brasileira é significativamente maior, especialmente nos aspectos tributário, jurídico, logístico e de acesso.
Nosso país é desafiador para empreender, mas também criativo e resiliente. Enquanto as grandes redes enfrentam dificuldade para expandir para municípios com menos de 50 mil habitantes (que somam ~4.500 cidades), surgem novos formatos mais adaptados à realidade local. O PIB per capita nessas regiões é de aproximadamente R$ 14 mil/ano, comparado aos R$ 50 mil da média nacional e R$ 396 mil dos EUA. Isso limita a viabilidade de certos modelos de negócios para cerca de 50% dos municípios brasileiros.
Por isso, o Brasil conta com uma diversidade estratégica de formatos:
· Redes nacionais (Raia Drogasil, Pague Menos, DPSP);
· Redes regionais (como Panvel, Drogaria Araújo, Farmácia São João);
· Redes associativistas (como a Farmarcas);
· Farmácias independentes;
E um novo modelo emergente surge inspirado no atacarejo: grandes lojas populares com alta eficiência operacional, tema que abordarei em um próximo artigo.
Reflexões estratégicas:
· A consolidação é inevitável, mas não precisa ser excludente;
· Genéricos são fundamentais para democratizar o acesso e gerar caixa;
· PBMs estão surgindo no Brasil — é possível evitar os erros cometidos nos EUA;
· Redes associativistas e distribuidoras regionais serão fundamentais para as independentes;
· Dados, fidelização e serviços clínicos farão a diferença na próxima década.
A quebra das patentes no Brasil até 2030
Segundo a ABIFINA, mais de 1.500 patentes farmacêuticas expirarão até 2030, liberando mil produtos (APIs, formas, usos, processos) para produção nacional. A decisão do STF (ADI 5529/DF, 2021) eliminou a extensão automática de patentes, abrindo o mercado e acelerando o lançamento de genéricos.
Estima-se que isso possa gerar um salto de até 30% no lançamento de novos genéricos no país, com impacto direto no acesso, nos preços e nas margens do varejo.
E agora?
Se os EUA viveram essa transformação há 30 anos e ainda enfrentam desafios, qual será o modelo vencedor no Brasil nos próximos 10 anos?
Será que a consolidação seguirá concentrando o mercado nas mãos de poucos — ou a diversidade de formatos locais se mostrará mais eficiente?
Qual será o papel dos dados, da inteligência e da personalização nesse cenário? A resposta pode estar nas decisões que começamos a tomar agora.
Por: Carlos Robson Gomes via LinkedIn

